quarta-feira, 5 de maio de 2010

A Oração - II. A escadaria da oração


1. A oração não tem nem princípio nem fim. Faz parte da vida. No entanto, muda de forma e cresce à medida em que se vai aprendendo, até que atinge o seu estado amorfo e se funde numa comunicação total com Deus. Na sua vertente peticionária não precisa de recorrer a Deus e, com frequência não o faz, e nem sequer requer que se creia Nele. Nestes níveis, a oração é, simplesmente, um desejo surgido de uma sensação de escassez e de carência.

2. Estas formas de oração ou de pedir como resultado de alguma necessidade, sempre refletem sentimentos de debilidade e insuficiência, e um Filho de Deus que sabe Quem é não se serve delas. Assim, ninguém que esteja seguro da sua Identidade, pode rezar desta forma. Mas é igualmente certo que ninguém que não esteja seguro da sua Identidade poderá evitar de o fazer. E a oração é tão continua como a vida. Toda a gente reza sem cessar. Pede e te será dado, uma vez que terás estipulado o que queres.

3. Também é possível alcançar uma forma mais elevada de pedir, em função de alguma necessidade, dado que, neste mundo, a oração é reparadora e, portanto, compreende diferentes níveis de aprendizagem. Neste caso, pede-se a Deus com fé absoluta, ainda que sem entendimento. Normalmente, um vago e frequentemente instável sentido de identificação foi alcançado, embora este tenda a ser indefinido devido a uma profunda sensação de se ter pecado. Neste nível, é possível continuar a pedir, de várias formas, coisas deste mundo, sendo possível, também, pedir dons como a honestidade ou a bondade e, em especial, o perdão pelas muitas fontes de culpabilidade que, inevitavelmente, estão por detrás de qualquer oração que nasça da necessidade. Sem culpabilidade não há escassez. Quem não conhece o pecado não tem necessidades.

4. Neste nível surge essa curiosa contradição de "rezar pelos inimigos". A contradição não radica nas palavras em si, mas na forma como, normalmente, elas são interpretadas. Enquanto acreditares que tens inimigos, estás a limitar a tua oração às leis deste mundo, assim como estás a usar tais limitações para comprometer a tua capacidade de receber. Não obstante, se tens inimigos, terás necessidade de rezar, e grande necessidade, certamente. O que é significa, realmente, a frase: "rezar pelos inimigos"? Significa que deves rezar por ti, para que não aprisiones Cristo, o que te impedirá de reconhecer a tua própria Identidade. Não atraiçoes ninguém ou te atraiçoarás a ti mesmo.

5. Um inimigo é o símbolo de um Cristo cativo. E quem poderá ser Ele senão tu mesmo? Assim, rezar pelos teus inimigos, converte-se numa forma de rezar pela tua própria liberdade. Desta forma, a oração deixou de ser uma contradição. Converteu-se numa afirmação da unidade de Cristo e num reconhecimento da Sua impecabilidade. Desta forma, tornou-se santa, pois reconhece o Filho de Deus tal como foi criado.

6. Nunca te esqueças de que a oração, em qualquer dos seus níveis, é sempre para ti mesmo. Se te unes a alguém em oração fazes com que a dita pessoa passe a ser parte de ti. O inimigo eras tu, tal como também és o Cristo. Portanto, antes que a oração possa tornar-se santa, torna-se em algo que tu escolhes. Não escolhes para outro. Só podes escolher para ti. Reza sinceramente pelos teus inimigos, pois nisso radica a tua própria salvação. Perdoa-os pelos seus pecados e certamente serás perdoado.

7. A oração é uma escadaria que chega até ao Céu. No alto produz-se uma transformação igual à tua, dado que a oração faz parte de ti. As coisas da terra são deixadas para trás e esquecidas. Não se pede nada, pois não se precisa de nada. Reconhece-se, plenamente, a Identidade de Cristo como algo que foi estabelecido para sempre: como algo que transcende qualquer mudança e é incorruptível. A luz deixou de bruxulear e jamais desaparecerá. A partir deste momento, a oração - sem necessidades de qualquer ordem e engalanada eternamente com a pura impecabilidade que é a dádiva que Deus te faz, o Seu Filho - pode voltar a converter-se naquilo para o qual foi concebida. Pois, agora, ela eleva-se qual canto de gratidão ao teu Criador, sem palavras, pensamentos ou desejos vãos e absolutamente sem qualquer tipo de necessidade. Portanto, estende-se como está disposto desde o princípio. E por esta concessão o próprio Deus agradece.

8. Deus é a meta de qualquer oração, o que faz com ela seja eterna em vez de temporal. A oração não tem princípio, porque o objectivo nunca se alterou. As formas por ela adoptadas inicialmente são uma ilusão, uma vez que não se precisa de uma escadaria para chegar àquilo de que nunca nos afastámos. Não obstante, a oração faz parte do perdão enquanto este – que por si mesmo é uma ilusão – não tenha sido alcançado. Enquanto não se tiver atingido o objectivo da aprendizagem, a oração estará vinculada a essa aprendizagem. Então, todas as coisas se transformarão em uníssono e serão devolvidas, imaculadas, à Mente de Deus. Uma vez que este estado está para além da aprendizagem, é indescritível. É preciso, no entanto, entender as etapas pelas quais há que passar para o alcançar, para que a paz seja restaurada no Filho de Deus, o qual ainda vive imerso na ilusão da morte e do medo de Deus.


O Canto da Oração



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